Por que o PS bloqueou a Lei da Nacionalidade? As normas sob fogo e que agora estão em discussão no TC
- advogaciaportugal
- 27 de nov.
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Em outubro, a lei da nacionalidade portuguesa sofreu alterações aprovadas pelo Parlamento por maioria de votos. Contudo, houve uma longa discussão, com vários grupos parlamentares contrários à versão final aprovada.
Quando a lei foi enviada para promulgação ao Sr. Presidente da República, o Partido Socialista (PS) deliberou solicitar a análise prévia do Tribunal Constitucional (TC).
Mas quais são os argumentos avançados pelo Partido Socialista (PS) que, na prática, conduzem a um bloqueio à lei? São elas ou não irregularidades que ameaçam a validade das alterações?
Aumento do tempo de residência e critérios diferenciados
Na lei aprovada prevê-se que os cidadãos CPLP (Comunidades dos Países de Língua Portuguesa) necessitem de sete anos de residência para solicitar a cidadania — um aumento de dois anos face à lei vigente — e dez anos para as demais nacionalidades. Além disso, exclui a possibilidade de considerar o período de espera pela autorização de residência, desconsiderando atrasos que possam ocorrer nesse processo em virtude das ineficiências da própria administração pública portuguesa.
A atual lei já trata de forma diferenciada situações distintas.
Portugal sempre manteve uma relação muito próxima com os cidadãos CPLP e atribuiu-lhes um caráter privilegiado para vistos, residência e nacionalidade. O aumento do tempo exigido de residência legal não parece violar qualquer preceito, nem tratar diferentemente situações idênticas. Veremos como os conselheiros do Palácio Ratton irão apreciar esta questão.
Além do tempo mínimo de residência legal, em que se revoga o início da contagem a partir do momento do pedido, e do conhecimento da língua portuguesa já exigido, são introduzidas condições adicionais para a naturalização.
O decreto estabelece que a nacionalidade portuguesa só é atribuída aos requerentes que comprovem, por teste ou certificado, conhecimento suficiente da língua, cultura, história e símbolos nacionais, que possuam capacidade para assegurar a própria subsistência, que conheçam suficientemente os direitos e deveres fundamentais e declarem solenemente a adesão aos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático. O PS posiciona-se contra essas exigências acrescidas.
Previsão de concessão de cidadania aos bisnetos, mediante comprovação de ligação efetiva
A ligação efetiva já está prevista em diversos enquadramentos na lei, mas esta mantém certa imprecisão na definição do que se entende por “ligação efetiva”, abrindo espaço para discricionariedade e possíveis conflitos.
Mudança no tempo de residência necessário para filhos de imigrantes — de um para cinco anos
A lei aprovada eleva o período mínimo de residência legal em Portugal exigido para que filhos de imigrantes possam adquirir a nacionalidade portuguesa automaticamente, de um para cinco anos consecutivos. Essa alteração implica um endurecimento substancial das condições para aqueles que nascem em território português e que tinham um acesso facilitado à cidadania.
Tal mudança visa alinhar os requisitos para filhos de estrangeiros com os critérios gerais de naturalização de residentes legais de longa duração, porém, suscita potenciais críticas por poder criar um efeito de exclusão para jovens que cresceram em Portugal, dificultando sua integração plena e colocando em xeque o princípio da proteção da confiança e da igualdade.
Além disso, o novo prazo não prevê especificidades para situações de menor idade ou para aqueles que frequentam o sistema escolar português, o que tem sido apontado como uma lacuna que poderá gerar impactos sociais e educativos negativos a curto e médio prazo.
Perda: possibilidade de revogação da cidadania em caso de crimes graves.
Foi criada uma pena acessória de perda da nacionalidade para quem seja condenado a pena de prisão efetiva de quatro anos ou mais, nos dez anos posteriores à aquisição da nacionalidade portuguesa. Essa pena acessória tem previsto não ser aplicada caso conduza a situações de cidadãos apátridas. Para o PS, esse normativo viola o princípio da proporcionalidade e a regra que proíbe penas perpétuas ou de caráter indeterminado.
Contudo, essa pena acessória existe em diversos países, nomeadamente Canadá e Estados Unidos, que a aplicam inclusive a muitos imigrantes portugueses.
De toda a forma, leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, por serem penais, devem ser claras e determináveis.
Também, no que toca à consolidação da nacionalidade, observa-se a projeção de efeitos em terceiros relativamente a atos que eles não praticaram. O PS ressalta que essa pena acessória, por alterar o Código Penal ao prever a perda da nacionalidade como pena acessória, deve revestir a forma de lei orgânica, conforme artigos 164.º, alínea f), e 166.º da Constituição.
Filhos: novas exigências para a obtenção de cidadania por filhos de imigrantes
Com a nova lei haverá um endurecimento na exigência do tempo mínimo de residência, que passa a cinco anos. Antes, filhos de imigrantes podiam obter a cidadania com um ano de residência legal, um critério que facilitava a inclusão. A exigência do aumento abrupto do tempo mínimo impacta diretamente milhares de crianças e jovens nascidos ou que cresceram em Portugal, configurando uma barreira significativa para o exercício do direito à nacionalidade vinculada ao lugar de nascimento e à efetiva integração cultural e social. Além do aumento do tempo, o PS reclama a ausência de critérios claros para aplicação da regra e questiona a proporcionalidade dessa alteração face ao princípio da igualdade pois impõe restrições mais duras a um segmento vulnerável da população.
Ausência de um regime transitório para quem já está perto de cumprir os requisitos atuais
O novo diploma prevê que a lei entre em vigor no dia seguinte à sua publicação, sem qualquer período de transição. O PS propôs, durante a tramitação no Parlamento, a criação de um regime transitório alargado, para beneficiar os requerentes que, à data da vigência, estejam próximos de cumprir os prazos e condições estabelecidas na legislação anterior. Essa medida visa assegurar a proteção da confiança legítima dos cidadãos e evitar prejuízos injustos decorrentes da mudança abrupta das regras. A inexistência desse regime de transição poderá causar insegurança jurídica, afetar planos pessoais e familiares e gerar um aumento no número de pedidos negados nos primeiros meses da vigência da nova lei, criando um clima de incerteza sobre o cumprimento das condições para reconhecimento da nacionalidade
Existência de uma indeterminabilidade ao nível das regras sobre oposição à nacionalidade
A legislação em debate apresenta normas vagas e indeterminadas quanto aos procedimentos e prazos para oposição à aquisição da nacionalidade por parte de terceiros, como o Estado, interessados ou outros cidadãos, que dificultam prever os prazos e condições para apresentar oposição à aquisição da nacionalidade, o que compromete a segurança jurídica e a transparência processual, deixando margem para interpretações variadas e para possíveis atrasos indevidos na conclusão dos processos de naturalização.
Essa indefinição pode gerar conflitos e atrasos no reconhecimento da nacionalidade, afetando diretamente os direitos dos requerentes, nomeadamente nos direitos conexos como o acesso ao trabalho, educação e serviços públicos.O PS aponta que tais normas deveriam ser melhor detalhadas, estabelecendo prazos claros e critérios objetivos para a oposição, de modo a garantir o equilíbrio entre o direito do requerente e o controle do interesse público.
Fim da concessão de cidadania a descendentes de judeus sefarditas
A concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização a descendentes de judeus sefarditas foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho, durante o governo do XIX Governo Constitucional, liderado pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho (PSD/CDS-PP).
Essa alteração ao artigo 6.º, n.º 7, da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81) visava reparar a injustiça histórica da expulsão dos judeus sefarditas em 1496, permitindo a naturalização mediante comprovação de descendência e ligação à comunidade sefardita de origem portuguesa.
O regulamento foi detalhado pelo Decreto-Lei n.º 30-A/2015, de 27 de fevereiro, que adicionou o artigo 24.º-A ao Regulamento da Nacionalidade (DL 237-A/2006), especificando requisitos como maioridade e certificação por comunidades judaicas. Posteriormente, houve alterações em 2022 e 2024.
As alterações de 2022 (Decreto-Lei n.º 26/2022, de 18 de março, que entrou em vigor a 1 de setembro), introduziu requisitos mais rigorosos para a naturalização de descendentes de judeus sefarditas, exigindo provas objetivas de ligação efetiva a Portugal no momento do pedido, como conhecimento da língua portuguesa, além da comprovação de tradição sefardita. As comunidades judaicas passaram a ser responsáveis pela guarda de documentos por 20 anos, permitindo verificações pela Conservatória dos Registos Centrais.
Já as alterações de 2024 (Lei n.º 1/2024, de 5 de janeiro), revogou o regime simplificado, mas manteve a possibilidade de naturalização condicionada a residência legal em Portugal por pelo menos 3 anos (consecutivos ou interpolados). Foi ainda criada uma comissão especial de avaliação (com peritos, investigadores e representantes judaicos) para homologar certificados de pertença sefardita, visando maior rigor e autenticidade
Agora, em 2025 pretende-se o fim da concessão de cidadania a descendentes de judeus sefarditas
Os dois decretos em discussão — o que altera a Lei da Nacionalidade e o que prevê a perda da nacionalidade como pena acessória — tiveram origem numa proposta do Governo PSD/CDS-PP e, foram aprovados no Parlamento a 28 de outubro com 157 votos a favor (PSD, Chega, IL, CDS-PP e JPP) e 64 contra (PS, Livre, PCP, BE e PAN) - obtendo mais de dois terços dos votos -, tendo sido enviados ao Palácio de Belém a 11 de novembro.
No dia 22, o PS solicitou a fiscalização preventiva junto do Tribunal Constitucional, que tem até 25 dias para se pronunciar. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa já afirmou que irá aguardar essa análise para se pronunciar.
Até decisão do TC, a aplicação das novas regras está suspensa. Caso o TC declare a inconstitucionalidade dos dispositivos legais estes serão vetados e, retornarão ao Parlamento para nova redação, podendo atrasar ainda mais sua implementação pois precisará de ser reavaliada e novamente votada pelos deputados.



